Quando ela sofreu por uma jaqueta

Quando cheguei para almoçar em casa, minha mãe estava desesperada. Desespero mesmo. Chorava. Repetia palavras. Colocava a mão na testa como quem diz “como pude fazer isso?”. Foi triste. Estávamos apenas nós duas em casa.

Mas, antes de dizer o motivo que a fez entrar em profundo sofrimento, preciso contar algo sobre a minha mãe: ela tem um dom extraordinário para manchar roupas. Aqui em casa, temos sérios problemas com roupas que, sem explicações, saem totalmente manchadas da pilha de passar roupas para o nosso guarda-roupa. Sabemos que minha mãe já manchou muitas roupas nossas (minhas, da minha irmã e do meu pai) e, na maioria das vezes, tentou esconder isso da gente. Às vezes, ela dizia que não tinha culpa, que era problema da roupa mesmo. Outras, ela simplesmente sumia com a peça de roupa. Até hoje procuro por um moletom que eu usava muito aos 14, 15 anos, mas que, de um dia para o outro, acabou desaparecendo misteriosamente… A desculpa era que ele teria sido roubado do varal, ou algo do tipo.

Enfim, por termos esse problema há muitos anos, minha mãe já sabe que sempre que uma roupa sai com alguma manchinha da máquina de lavar, a reclamação começa! E as reclamações, na maioria das vezes, acabam virando aquelas discussões chatas em que a culpa cai em cima de todo mundo.

Nesse dia em que cheguei para almoçar em casa, minha mãe tinha acabado de manchar uma jaqueta da minha irmã. E pior. Além de sair manchada do balde, a jaqueta saiu se desmanchando, literalmente. Havia vários pedaços do tecido espalhados pelo balde. Minha mãe me contou isso em meio a muitas lágrimas. Foi uma tristeza. Até eu, que sabia que ela tinha que tomar cuidado em certos casos, fiquei com vontade de chorar. Nesses momentos em que descobríamos que nossas roupas tinham sido manchadas, eu costumava reclamar bastante. Mas minha irmã ainda conseguia ser muito pior. Eu estava com pena da minha mãe justamente por isso.

Tentei acalmá-la. “Para de se desesperar, mãe. A gente conversa com a tata e diz que a jaqueta era meio fuleira mesmo”, eu disse. Mas minha mãe não se perdoava. “A culpa é minha, sempre é… Tadinha da tua irmã, vive comprando roupa cara e eu só estrago”, choramingava. Uma tristeza só.

Fui então tentar resolver as coisas. Eu seria a porta-voz da minha mãe. Ligaria para a minha irmã e a defenderia. Falaria que não tinha jeito, a jaqueta era muito fraquinha. Eu tinha preparado um grande discurso. Quando disquei, minha irmã logo atendeu. Ela estava no trabalho. Minha mãe voltou a chorar ao meu lado. “Tata, preciso te dizer uma coisa, mas você não pode ficar brava ou começar a berrar. A mãe já tá aqui chorando loucamente”. Minha irmã já mudou o tom e começou a ficar preocupada. Decidi jogar a bomba de uma vez pra explosão acontecer logo.

Para minha surpresa, não ouvi barulho algum. Nem sinal de explosão. O medo aumentou ainda mais e fiquei apreensiva. O silêncio pode ser ainda pior que o grito. Após alguns segundos de muita aflição, minha irmã finalmente falou. Ela gargalhava. “Sério que a mãe tá chorando? Eu deixei essa jaqueta separada pra doar pra alguém, não pra lavar. A mãe é doida, né? Diz pra ela parar de besteira e jogar essa jaqueta fora”. Alívio!

Desliguei o telefone e não consegui fazer outra coisa a não ser rir. Ri muito. Não parei por alguns minutos. Tive dificuldades em contar para a minha mãe em meio a gargalhadas. Quando contei, sua expressão mudou totalmente e ela também se integrou ao riso. Foi lindo!

Ao me lembrar dessa história mais tarde, senti ainda mais carinho por ela. Tão preocupada, tão atenciosa. Até resolvi perdoá-la por todas as minhas roupas manchadas ao longo desses anos. Só não consegui me esquecer do moletom. Mas não vou tocar nesse assunto por algum tempo ainda. Ela já sofreu demais.

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Quando ela mostrou que importava

Minha primeira crônica sobre essa pessoa incrível e maravilhosa, vulgo minha mãe, escrita há cerca de dois anos. Eu realmente achava que não importava…

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Era final de tarde de uma quarta-feira. Diferente da maioria dos outros dias, eu estava em casa jogada no sofá da sala quase dormindo. Cansada após ter feito dezenas de trabalhos da faculdade, trabalhado o dia inteiro e caminhado uns bons quilômetros, eu optei por fazer algo que dificilmente consigo durante a semana, mas que tanto amo: absolutamente nada. Eis que no exato momento em que tento decidir se durmo no sofá mesmo ou vou para o quarto surge minha mãe na porta da sala. “Aninha, o que a gente vai almoçar amanhã?”. Nem minha cara de tédio e desinteresse convence minha mãe de que eu não me importava muito com aquilo. “Almoço, mãe? Não são nem 18h! Mal tomei café da tarde e a mãe já pensa em almoço? Eu hein, tô tentando dormir”, disparo. O olhar de decepção da minha mãe, misturado a um grande desapontamento, me corta o coração. Ela sai da sala e vai para a cozinha com aquele olhar que só as mães conseguem fazer. Não menciona mais nenhuma palavra.

Só depois de o sono deixar meu corpo eu percebo o que fiz e passo a me odiar. Minha mãe, carinhosa, meiga e interessada na minha vida, veio apenas perguntar o que eu queria almoçar no dia seguinte. Minha mãe, que sabe muito bem o quanto sou chata para comida e o pouco tempo que possuo para o almoço, só queria saber o que fazer para que eu não comesse besteiras pela rua ou, simplesmente, pulasse essa refeição.

Sem demora, levantei do sofá e fui em direção à ela, que estava lavando algumas xícaras de café. “Hum, decidiu deixar de ser malcriada?”, perguntou, tentando ser indiferente. “Desculpa. Pode fazer qualquer coisa que eu vou amar, mãe”, falei, abraçando-a. Orgulhosa, ela tentou fingir que nem dava bola, mas eu sabia que o fato de eu ter me arrependido significava muito para ela. Volto para sala e caio no sono por uma boa meia hora. Acordo com o cheirinho da carne de panela que eu amo demais e que só a minha mãe consegue fazer. Penso comigo mesma “ela não existe”. E realmente acho que não. Aliás, acredito muitas vezes que ser mãe é surpreender em cada pequena coisa e arrancar essa frase da maioria dos filhos. A minha, por exemplo, faz todos os dias algo que me deixa pensando que ela não pode ser real: é boa, amorosa e dedicada demais. E eu tenho a maior sorte do mundo por isso.

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